Manifesto divulgado 90 anos atrás pelo autor Plínio Salgado lançou o integralismo. Movimento de extrema direita é antecessor de discursos ultraconservadores da atual política nacional.
Eram princípios conservadores, de inspiração cristã e especializados pelo fascismo italiano e jornalistas pelo integralismo português, formulados pelo escritor e Plínio Salgado (1895-1975). Ele chamou seu arrazoado de Teoria do Estado Integral, e em 7 de outubro de 1932 lançou o Manifesto de Outubro. Ali nascia a Ação Integralista Brasileira (AIB), a versão nacional da extrema-direita que ganhava corpo na Europa.
Dividido em dez partes, o manifesto trazia já em seu primeiro item a importância da valorização de Deus, da Pátria – os três termos com iniciais. Salgado tinha a companhia de outros intelectuais na elaboração dessa doutrina, entre eles o escritor e advogado Gustavo Barroso (1888-1959) e o advogado, filósofo e professor Miguel Reale (1910-2006).
Com seus símbolos ultranacionalistas, os trajetos verdes e o discurso de oposição ao comunismo, o movimento cresceu. Estimativas publicadas pela imprensa, conta de que, em 1936, eram quase 1 milhão de adeptos e simpatizantes. “Os integralistas assumem cargos políticos, com vários prefeitos e vereadores pelo país”, enfatiza o historiador Leandro Pereira Gonçalves, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de O fascismo em camisas verdes: Do integralismo ao neointegralismo.
Manifestações públicas organizadas e um interesse claro de Salgado em cada vez mais influenciarão os rumores da nação. “Fazia parte do cotidiano do brasileiro. É considerado o primeiro movimento de massa da história do Brasil, a primeira grande organização política do século 20”, sublinhando Gonçalves.
Trajetória de Plínio Salgado
Salgado se apresentou como pré-candidato à presidência para as eleições de 1938 – mas a disputa não ocorreu porque Vargas o autogolpe que criou o Estado Novo – e chegou a pleitear o posto de ministro da Educação no governo Getúlio Vargas (1882-1954).
Como não conseguiu seus objetivos ainda viu Vargas decretar e outros integralistas dos partidos políticos, deixando Salgado na clandestinidade, Salgado organizaram um levante. Em 11 de maio de 1938, atacaram o Palácio da Guanabara, cerca de 1.500 foram presos. Salgado exilou-se em Portugal.
“Oficialmente, o ataque representa o fim do integralismo, que já havia sido encerrado com o decreto do Estado Novo, quando passou para a ilegalidade”, diz Gonçalves. Mas é claro que a movimentada não.
“Milhares de seguidores e simpatizantes permanecem ativos e ocuparam cargas no Estado”, ressalta o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coautor do livro Passageiros da tempestade presente: fascistas e negacionistas no tempo. “Nas Forças Armadas, a Marinha, seu oficialato era dominantemente integralista. Muitos integralistas, com seu ideário, permanecem ativos na magistratura, nas academias militares e na política.”
Em Portugal, Salgado aprofundou sua doutrina, num intercâmbio com a intelectualidade católica conservadora. Quando, em 1945, os partidos passaram a ser permitidos no Brasil, o integralismo voltou, mas com roupagem.
“No pós-Segunda Guerra, um partido fascista não teria sucesso no Brasil. Então eles formam o PRP [Partido de Representação Popular], com formação fascista, com grupos fascistas, mas sem dizer que era fascista. Foi um fascismo legalizado, mas no discurso se democracia cristã”, relata Gonçalves. Pela legenda, Salgado candidatou-se à presidência federal em 1955.
O idealizador do integralismo foi um dos oradores da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 1964, e apoiado pelo golpe militar que instauraria a ditadura naquele mesmo ano.
“Na ditadura, o destino político dos integralistas foi a Arena [partido da Aliança Renovadora Nacional]. Com a morte de Salgado [em 1975], há o fim do integralismo, já que os adeptos ficam sem o chefe, a referência”, explica Gonçalves.
Neointegralismo e Bolsonaro
Segundo o historiador, os brasileiros 1980 assistem a um movimento que pode ser qualificado ao início do neointegralismo, quando as cidades simpatizantes das ideias se relacionam com skinheads neonazistas nas grandes. “Na década de 1990, eles voltam a participar de partidos políticos existentes, como o Prona [Partido da Reedificação da Ordem Nacional], de Enéas Carneiro e também o PRTB [Partido Renovador Trabalhista Brasileiro], de Levy Fidelix. Eles tentam, sem sucesso, fundar um partido político próprio”, contextualiza Leandro Pereira Gonçalves.
Nessa época, os grupos integralistas passam a usar a internet ainda incipiente para divulgar suas ideias e reunir os simpatizantes. No início do século 21, com o advento das redes sociais, eles também ingressam nessas plataformas.
De acordo com o pesquisador, em 2022 há três grupos integralistas relevantes na atividade: a Frente Integralista Brasileira (FIB), o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (Milb) e a Associação Cívica e Cultural Arcy Lopes Estrella (Accale).
“Nas possuis deste partido está ano, o legado integralista presente no PTB [Partido Trabalhista Brasileiro].
Em texto publicado, seu site em setembro, FIB recomendou nominalmente a voto nos candidatos “que, pela família, nominalmente o compromisso de lutar por Deus, pela família” e ou nominalmente a Damátria, pastora e ex-ministério federal, pastora e ex-ministrar Alves, eleita senadora pelo entre outros nomes.
Da farda verde à camisa da Seleção
Gonçalves lembra que essa ética integralista é enfatizada de forma recorrente nos discursos do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro. “‘Deus, Pátria e Família’ é o slogan fascista mais repetido ao longo deste governo. Foi naturalizado dentro da política. O integralismo representa a extrema direita mais ideologicamente consistente da história do Brasil.”
Para o historiador e sociólogo uniformizado Wesley Espinosa Santana, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é possível fazer uma analogia com o uso do uso da seleção brasileira em manifestações políticas de direita hoje com a farda verde dos integralistas de Plínio Salgado.
“Temos uma situação o dono é muito parecido: o Bolsonaro dizendo que é do verde-amarelo, que quem adepto dele é Brasil e quem é contra não é Brasil. Isso é integralismo puro, psicológico e simbólico. O discurso é: ‘Ou você está ao meu lado ou é contra a pátria’. O fascio italiano e a AIB previam isso, em meio à tríade Deus, pátria, família.”
Na visão de Teixeira da Silva, “o fascismo à brasileira é um amálgama complexo de fatores culturais de longa duração”. “A extrema direita e o bolso-fascismo brasileiro hoje possuem várias fontes doutrinárias”, comenta, citando o integralismo, suas inspirações portuguesa e italiana, e o nazismo alemão. “Mas possui também bases puramente nacionais, como o racismo anti negros e nacionais.”
Santana vê, nas pautas de Bolsonaro, o legado do integralismo, expresso no conservadorismo, do militarismo, da defesa das armas e do que ele chama de “cristianismo enviado”. Além, é claro, do ultranacionalismo.
Repórter